Empresa californiana abriu mais de 1600 vagas de emprego e explora novas localizações, à medida que prepara o lançamento do Model 3, que terá um preço mais acessível.
Poucos minutos depois da abertura de portas, às dez da manhã, já há clientes a rondarem um Model S azul-escuro que faz figura à entrada da loja. Na parte de trás, há outra versão num vermelho arrojado, e pelo meio um chassis que mostra as entranhas deste supercarro elétrico. O rodopio de interessados é invulgar para uma marca de nicho, com uma história muito recente e preços que começam nos 70 mil dólares. Há um fascínio estranho associado à Tesla, na proporção inversa do desdém por outras alternativas verdes. Numa altura em que os preços da gasolina atingem mínimos de sete anos, as vendas de carros elétricos estagnaram no mercado norte-americano, mas não para a Tesla. Brilha, e de que maneira, a menina dos olhos de Elon Musk, o carismático CEO
“Todos os carros são feitos à medida e por encomenda”, explica Edison Mellor-Goldman, o dono do espaço da Tesla na histórica promenade de Santa Mónica, Los Angeles. É por isso que ali há apenas dois carros e um chassis em exposição, todos do Model S. A Tesla Motors também não tem muito mais para mostrar. O Model X, um SUV de luxo revelado no final de setembro, só há pouco tempo começou a chegar aos primeiros compradores. O Roadster, um desportivo de dois lugares que marcou a estreia da marca nas estradas do mundo em 2008, custava 101 mil dólares e deixou de ser vendido três anos depois
O grande salto
A Tesla não é uma marca para as massas, mas tornou o carro elétrico desejável. Apesar de se posicionar no segmento premium, vendendo por mais do dobro do preço de outras opções como o líder mundial Nissan Leaf (cerca de 30 mil euros) ou o BMW i3 (a partir de 38 250 euros), está na liderança do mercado norte-americano e em segundo no global do segmento. Este mês assinala a entrega de 100 mil sedan Model S desde o lançamento, em 2012, e agora Elon Musk está mais ambicioso. Acaba de abrir 1649 vagas para várias localizações no mundo, procurando desde engenheiros a designers de loja, numa vaga maciça de contratações que espelha o salto pretendido para o próximo ano. Na Europa, há ofertas em Amesterdão, Munique, Geneva, Paris, Londres, Antuérpia, Berlim, Oslo, e a lista continua. É que a empresa, cotada em bolsa desde 2010, precisa de crescer e sair do vermelho. As vendas em 2014 atingiram os 3,2 mil milhões de dólares, uma subida de 60%, mas os prejuízos cresceram para 294 milhões. Aliás, a Tesla nunca teve lucros anuais desde que foi fundada, em 2003
Entra aqui o próximo carro, Model 3, que será lançado em 2017 com um preço mais baixo, 35 mil dólares. Musk acredita que pode vender entre 300 e 400 mil por ano, acumulando com 100 mil Model S e Model X para chegar a meio milhão de carros/ano. Para pôr isto em perspetiva, nos primeiros nove meses de 2015 a líder global Toyota vendeu 7,49 milhões de unidades. As previsões de quantos carros elétricos terão sido vendidos no mundo em 2015 oscilam entre 430 e 600 mil, com Estados Unidos, China e Japão à cabeça
O preço não tem sido um obstáculo nas vendas do Model S, diz Edison Mellor-Goldman. Este espaço, que não é bem um stand (é uma espécie de Apple Store para carros), vende cerca de dez Model S por dia, às vezes quinze, e as várias configurações podem levá-lo até aos 90 mil dólares. “Vendemos mais carros do que aqueles sacos de viagem”, refere o gerente, apontando para as prateleiras de merchandising onde também se encontram t-shirts, bonés e outros acessórios. É espantoso ver esta seleção de brindes aqui, fazendo lembrar marcas de culto como a Ferrari. Edison explica: “esta zona [Santa Mónica] é turística, e temos muitos estrangeiros que vêm por curiosidade. Como não têm Tesla nos seus países, levam um boné ou camisola porque gostam da marca
Interesse em Portugal
É o caso de Portugal, onde não há Tesla mas há compradores, diz ao Dinheiro Vivo um responsável europeu de comunicação da marca, Charles Delaville. “Temos detentores de Model S em Espanha e Portugal. Mas não revelamos números de vendas por mercado”, refere. Quem vive na Península Ibérica pode comprar um Model S online, “mas terá de o ir buscar à Holanda, à nossa fábrica de montagem em Tilburg”.
É possível que, com o Model 3, as coisas mudem. “No que respeita a expansão, continuamos a explorar novos mercados e localizações, mas não temos nada para anunciar neste momento.” Essa expansão da empresa tem acelerado nos últimos três anos. Está em 19 países, incluindo vários na Europa, mas a crise deve ter pesado na decisão de não investir no mercado ibérico, cujo poder de compra é inferior a países mais pequenos como Suíça e Luxemburgo. O centro de suporte e operações na Europa está na Holanda, e está também em crescimento a rede de estações de supercarregamento. São locais onde os donos de um Tesla podem carregar a bateria de graça e com mais rapidez do que em casa: em vinte minutos, carregam metade. O Model S vem com duas opções de bateria, 60 kilowatt/hora (70 mil dólares) ou 85 kW/hora (80 mil dólares). Cada carga dá para 380 a 430 quilómetros, o que só coloca problemas em viagens longas. É por isso que há estações Tesla nas auto-estradas. Ninguém ficará apeado só por ter um carro elétrico, assegura Edison.
Luxo em versão eléctrica
A Tesla conseguiu algo que ninguém tinha sequer tentado – tornar os carros 100% elétricos, zero emissões, em objetos de desejo, com potência, a rivalizar com os melhores modelos de luxo. Primeiro um desportivo, depois um sedan, agora um SUV. Todos com autonomia superior aos rivais. O Morgan Stanley chamou-lhe “a construtora automóvel mais importante do mundo
A boa impressão começa no design, antes mesmo de entrar e experimentar o motor elétrico. Não tem chaves nem botão start, basta pressionar de forma ligeira o puxador e a porta abre-se como Sésamo. Lá dentro, é mais espaçoso do que parece. O computador de bordo assemelha-se a um iPad gigantesco (tem 17 polegadas) e todo o software do carro é controlado neste painel. “O formato é muito aerodinâmico, muito elegante. Não tenho um, mas conduzo vários regularmente”, diz Edison Mellor-Goldman. Vai dos 0 aos 100 em 2.8 a 5.2 segundos, conforme a versão, e está equipado com piloto automático. Tem duas bagageiras, uma à frente e outra atrás. Velocidade máxima? 225 a 250 km/h.
É preciso entrar num Model S para perceber o sucesso que tem feito. No terceiro trimestre de 2015, a Tesla entregou 11 603 carros, e só em novembro vendeu cerca de 3200, quase o triplo em relação a novembro do ano passado. Isto numa altura em que as vendas de carros elétricos estão a cair 20% nos EUA, onde a gasolina está barata; no mercado de ligeiros, a fatia dos elétricos caiu para 2,2%, a mais baixa desde 2011 e depois de um pico de 3,7% em novembro de 2013. Muitos clientes preferem agora comprar um SUV eficiente – representam um terço do total do mercado – precisamente o segmento em que se posiciona o novo Model X, apesar do preço avultado, entre os 81 200 e os 15 1450 mil dólares.
Apesar dos avanços, a Tesla tem tido uma aventura conturbada – ainda não cumpriu uma única data de lançamento, nunca teve lucros e o fundador e criador da empresa, Martin Eberhard, foi afastado de forma pouco clara numa disputa com Musk, que entrara como investidor, que acabou com processos em tribunal. Há quem acredite que a Tesla nunca sairá do nicho dos carros de luxo e não conseguirá revolucionar um mercado em necessidade de disrupção. Há quem diga que o software é a verdadeira inovação da construtora – que também desenha e produz componentes de carros elétricos para outras marcas, como a Daimler e a Toyota
Em breve também haverá mais concorrência: a Mercedes está a desenvolver um rival do Model S, para sair em 2018, e este ano apareceu na Califórnia uma misteriosa nova empresa no segmento. A Faraday Future, que se chegou a julgar ser a Apple disfarçada, é um investimento do milionário chinês Jia Yueting e planeia montar a sua fábrica no Nevada – onde a Tesla tem uma fábrica de baterias. O primeiro vislumbre do carro-conceito da Faraday será apresentado no Consumer Electronics Show, em janeiro, onde a Tesla deverá marcar presença. Afinal, tudo isto está na intersecção entre engenharia e tecnologia – e não é por acaso que Elon Musk, um dos cofundadores do PayPal, é um dos filhos pródigos de Silicon Valley.